Uma menina perdeu a mãe: como o pai e a psicologia podem ajudar?
Publicado por: Juliana Wallig em 28/7/2011
Categoria: Psicologia
 
Ser filha e não ter mãe, seja por morte, abandono físico ou emocional é uma experiência profunda e que afeta todo o processo de desenvolvimento da mulher. Cada forma de ausência (morte, abandono físico e/ou emocional) traz consequências específicas para a filha e, neste artigo, abordaremos os efeitos da morte materna durante a infância.

A relação mãe-filha é uma das relações mais intensas que a mulher vivencia em sua vida e tem um poderoso efeito na forma com que ela se relaciona com ela mesma e com o mundo. Esta relação é o ponto de partida para o desenvolvimento da mulher, ou seja, começamos a aprender o que é ser mulher com a nossa mãe. Com a morte materna precoce, todo o processo de desenvolvimento ficará abalado e a filha terá que se desenvolver por caminhos alternativos, pois ela se desenvolve em um vácuo maternal.

Quando uma perda significativa acontece, um processo de luto se instala. O enlutamento - processo ativo e dinâmico de lidar com o luto - é um ajustamento criativo que significa adaptar-se ao que é, mudar-se e reorganizar a vida de acordo com essa nova realidade. O objetivo final desse processo é a reorganização, o re-investimento de energia em si e no mundo. A polaridade interna e subjetiva do enlutamento é o luto, a experiência da perda em si e afeta as áreas afetiva, cognitiva, social e espiritual. Para que o luto possa ser acomodado de forma funcional, fazem-se necessárias duas mudanças psicológicas:
1) Reconhecer e aceitar a perda;

2) Experimentar e lidar com as emoções e problemas que advém da perda.

Adaptar-se à perda exige elementos que as crianças não possuem:

1) Compreensão total do que é morte;

2) Linguagem e encorajamento para falar de seus sentimentos. Além de não possuir recursos necessários para lidar com o luto, as meninas ainda sofrem a influência de fatores familiares, pois por acreditar que a criança não compreende a morte, por achar que será doloroso demais falar e reviver a perda e por querer proteger a criança do sofrimento, a família geralmente se cala e procura manter a vida o mais normal possível, pois a premissa é que elas sigam em frente. Ao calar-se, a família deixa de oferecer a oportunidade para que a criança viva o luto pela mãe e tenha suas necessidades emocionais atendidas. Isso trará diversas consequências para a menina e, futuramente, para a mulher.

O enlutamento infantil é um processo longo e complexo que será procrastinado e se estenderá durante todas as etapas do desenvolvimento, conforme os recursos emocionais e cognitivos também se desenvolvem. Para poderem passar por esse processo de forma saudável, as crianças (e futuramente adolescentes e adultos) necessitam de um pai (ou sobrevivente) estável que possa oferecer oportunidades para a expressão dos sentimentos (raiva, tristeza, culpa, indiferença etc), fazer perguntas e ter a verdade como resposta. Somente o carinho não é suficiente; a criança necessita de cuidados e suporte consistentes com suas necessidades, ou seja, precisa de maternagem. Sem esses elementos, o luto torna-se secreto e solitário e a menina não encontra validação para a magnitude de sua perda.


Geralmente, a criança começa a construir dois pensamentos e sentimentos: a perda da mãe não é realmente significativa e ninguém percebeu como eu me senti transforma-se em “ninguém se importa”. Esses pensamentos e sentimentos permanecerão trancados dentro dela mesma e irão acompanhá-la ao longo de seu desenvolvimento e refletir em sua relação com o mundo e com as pessoas.
Durante a infância, a psicologia pode ajudar filha, pai (que também está enlutado pela morte da esposa) e a família a passarem por esse processo juntos, desenvolvendo a comunicação entre eles – o que e como falar – atitudes a serem tomadas etc. É importante que a menina (e futuramente mulher) tenha informações a respeito de sua mãe, saiba sua história, veja fotos. Isso a ajudará a construir sua boa forma de ser mulher.
A psicologia também pode contribuir muito com a mulher adulta que não conseguiu, por diversos motivos, acomodar seu luto de forma funcional. O foco central do trabalho terapêutico é que a filha consiga viver com a perda ao invés de sob o legado da perda. Para tal, a filha precisa reconhecer e lidar com duas questões fundamentais: 1) ela é filha de sua mãe e, portanto, é preciso que ela encontre um espaço emocional e mantenha vínculo com a mãe falecida e 2) ela é uma filha sem mãe.


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